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As mulheres do DR e seu lugar de fala

A professora Regina Celeste de Almeida Souza, a Tânia Bacelar de Araújo, a própria professora Bárbara-Christine Nentwing Silva, que foi esposa do Prof. Silvio Bandeira de Mello e Silva, são pessoas que tem um vínculo muito forte com a Região Nordeste, e tantas outras que poderiam ser descritas. Mulheres que pensaram com e para a Região Nordeste. Elas pesquisaram e pensaram a Região Nordeste, fizeram uma forte análise sobre a questão regional, sobre os problemas da região. Seriam autoras com esse enfoque maior, pensando a questão nacional, mas sempre voltadas aos problemas regionais. São pesquisadoras que se formaram nessa lógica. Então são pessoas que produziram para a região, uma produção sobre a Bahia, sobre Pernambuco e tantas outras regiões brasileiras.

A Bertha Becker, por exemplo, as grandes referências dela não são só referenciais teórico-metodológicos mais amplos, mas o olhar dela sobre a Amazônia, a Região Norte e os problemas próprios dessa Região. Esse olhar para região que faz o diferencial, mas não um olhar fechado, não é um regionalismo destoante na unidade nacional. A Berta Backer faz essa ponte, A Tânia Bacelar faz, porque faz isso, por meio do que é a evolução do pensamento furtadiano, pois a SUDENE teve um papel importante na vida dela. E a gente pode pensar nisso, pois o fator regionalismo é fundamental, mas é o olhar para a região, para as questões regionais. É claro que vão ter aqueles que consideram a região para além daquilo que a gente concebe como sendo subnacional, mas a tradição é essa. E vão surgir pessoas com enfoques muito mais libertadores.

Imagina você pensar, por exemplo, quando Milton Santos começa a estudar na década de 1950 o centro histórico de Salvador. Logo em seguida ele começa a formar um laboratório de Geomorfologia dentro da Universidade Federal da Bahia, vinculado à Geografia Humana e aí ele vai para a Geografia Crítica, ou seja, da Geografia Humana para a Geografia Crítica. Mas ele leva muita gente com ele para fazer pesquisa, sendo que muitas eram mulheres. Se pegarmos a biografia de Milton Santos há uma mulher do lado dele, Marie-Hélène Tiercelin dos Santos, sua esposa. O último livro dele, O Brasil: território e sociedade no início do século XXI é uma mulher que está do lado dele, Maria Laura da Silveira. Você levanta os nomes de grandes pesquisadoras, muitas passaram por ele. Milton Santos ajudou a encaminhá-las para o mestrado, doutorado.

O Furtado trouxe os estudos da CEPAL para qualificar aqueles pesquisadores que estavam na SUDENE, o pessoal da economia, a Tânia Bacelar de Araújo. Então temos, a tradição, feminina, histórica, dentro das primeiras discussões do Desenvolvimento Regional. Trazer essas mulheres fortes que são as pioneiras é o primeiro passo, falo das que estão vindo agora, sem falar daquelas que levantaram as bandeiras que não estão no lattes em si, mas são referenciais, inspirações para todos que pesquisam o Desenvolvimento Regional. Também tem aquelas que estão construindo o campo do Desenvolvimento Regional próprio, aquelas que fazem a interdisciplinaridade entre a Sociologia, Geografia e a Economia, discutindo e edificando as discussões sobre o urbano e o regional.

Considero que só é possível pensar no regionalismo e sobretudo, para se pensar do ponto de vista de uma Epistemologia do Sul, quando há um olhar para a realidade. Pode-se então compreender porque Frantz Fanon constrói uma literatura singular de base epistemológica do Sul. É porque ele olha a realidade a qual estava inserido. Neste sentido, todos têm um lugar de origem, um lugar para se pensar. Por isso, quando um pesquisador quer compreender Guerreiro Ramos, precisa estudar o Guerreiro Ramos como um cidadão que nasceu no Recôncavo Baiano, para então compreender porque ele trata sobre determinados temas. Porque ele viu isso florescer, como Milton Santos viu.

Então, a gente tem que buscar entender essas mulheres a partir do local de fala delas, onde elas estão, onde elas estiveram e de onde elas vieram, pois isso é importante, é o primeiro passo dessa Epistemologia do Sul. Ela só pode ser como tal, a partir de um posicionamento político, de dizer assim: TERRITÓRIO, eu estou partindo de um território, um lugar de fala, de múltiplas falas. Eu represento múltiplas falas, elas representam múltiplas falas. Falas que não teriam vozes, mas que elas na academia conseguem trazer à luz. Por isso, é importante fazer o mapeamento dessas mulheres.

O Prof. Ivo Marcos Theis nos traz muitas dessas preciosidades, muitas delas nós temos acesso porque são indicadas por ele. Vale a pena tecer esse recorte, pois é um trabalho pioneiro. Por exemplo, a professora Regina Celeste. Ela foi minha professora de Mestrado, ainda hoje é professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano, estudou na França. E por que ela foi estudar na França? Obviamente de algum modo tem um vínculo com Milton Santos, que abriu a porta para os pesquisadores Brasileiros na França. Nesse sentido, muita coisa pode ser trazida à tona e o regionalismo é um ponto de partida dentro de uma Epistemologia do Sul. A gente não pode falar de uma Epistemologia do Sul sem pensar no processo socioespacial e territorial, porque elas não são desconexas do território. A gente tem de colocar um olhar para a região. É a região se posicionando diante das desigualdades, das contradições existentes, pontuando, se auto afirmando, tentando se contrapor a todo tipo de opressão dos agentes externos.

Eu acho que são mulheres para lutas, de distintas naturezas, muitas delas foram para a luta de fato nos movimentos sociais, levantaram bandeiras de movimentos sociais. A Bertha Backer é referência nesse sentido também, porque o espaço de luta dela é muito difícil, mas a Tânia Bacelar circulou pelos Territórios da Cidadania, conheceu de perto a realidade e é uma das pessoas quem elabora políticas públicas. Então tem muita gente bacana. E muita gente que a partir da aproximação do Desenvolvimento Regional foi ficando mais humana, foi mudando as posturas, sobretudo da pesquisa acadêmica mais conservadora e vai alterando seus aportes teórico-metodológicos na práxis regional.

Quando estamos discutindo essas coisas, estamos falando do nosso lugar de fala! Devemos nos perguntar qual é o nosso lugar de fala? Quem é a Vivian, a Luciana, que estão trazendo essas coisas? Essa é a questão central. E de qualquer forma existe uma crítica do processo subimperialista do centro no Desenvolvimento Regional e isso precisa ficar explicitado, elas aparecem nas discussões dessas autoras. O pessoal do Nordeste sempre discutiu a postura subimperialista do Sul-Sudeste brasileiro, eixo Rio-São Paulo, a política de café com Leite, entre outas temáticas. Vale a pena trazer esses elementos, são discussões importantes para explicar o que é o regional. É um lugar de fala, mas não deve ser restrito a esse lugar de fala, pois representa outros lugares, igual o Frantz Fanon representa muitos lugares e não só a região onde ele foi originário, pois ele amplia seus horizontes de influência. Assim, o Desenvolvimento Regional ajuda a pensar a questão do desenvolvimento em si.

Vivian Brito

02/12/2017

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